Em uma decisão histórica que promete impactar significativamente o mercado imobiliário brasileiro, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria de votos (5 a 4), que é possível a penhora de imóvel com alienação fiduciária para o pagamento de dívidas condominiais.
Essa decisão estabelece um novo entendimento sobre a responsabilidade do credor fiduciário em relação às obrigações condominiais, trazendo importantes consequências para instituições financeiras, compradores de imóveis e condomínios.
O STJ tomou essa decisão após a análise de três recursos especiais (REsp 1.929.926, REsp 2.082.647 e REsp 2.100.103). Nessa oportunidade, debateu a possibilidade de, no curso de execução de débitos condominiais ajuizada contra o devedor fiduciante, ser promovida a penhora de unidades autônomas de condomínio edilício alienadas fiduciariamente.
O entendimento que prevaleceu foi o de que o credor fiduciário, como titular da propriedade resolúvel do imóvel, também deve ser responsável pelo pagamento das taxas condominiais. Essa posição representa uma mudança significativa na interpretação jurídica sobre a responsabilidade em contratos de alienação fiduciária.
Para compreender melhor o impacto dessa decisão, é fundamental entender o que é a alienação fiduciária e como ela funciona no contexto imobiliário brasileiro.
A alienação fiduciária é um instrumento jurídico amplamente utilizado em financiamentos imobiliários no Brasil. Nessa modalidade, o comprador (devedor fiduciante) transfere a propriedade do imóvel para a instituição financeira (credor fiduciário) como garantia do pagamento do financiamento.
Durante o período de financiamento, o comprador detém apenas a posse direta do imóvel e um direito expectativo de aquisição da propriedade, que só se concretiza após a quitação total da dívida. Enquanto isso, a instituição financeira permanece como proprietária do bem, com propriedade resolúvel.
Esse modelo de garantia é fundamental para o desenvolvimento do mercado imobiliário brasileiro, pois oferece maior segurança às instituições financeiras e, consequentemente, permite condições de financiamento mais acessíveis aos compradores.
No entanto, a decisão recente do STJ traz um novo elemento a esta equação: a responsabilidade do credor fiduciário pelas dívidas condominiais.
A controvérsia que levou à decisão da 2ª Seção centrava-se em duas posições jurídicas distintas, defendidas por diferentes turmas do STJ:
É importante destacar que tanto a 3ª quanto a 4ª Turma compõem a 2ª Seção do STJ, que é especializada em direito privado. Diante da divergência entre suas turmas, a 2ª Seção foi chamada a pacificar o entendimento, o que ocorreu com o julgamento dos recursos especiais mencionados.
A decisão da 2ª Seção do STJ, ao julgar os recursos especiais mencionados, consolidou, portanto, o entendimento pela penhorabilidade, estabelecendo que “é admissível a penhora do imóvel alienado fiduciariamente para quitação de dívida condominial”.
O ministro Raul Araújo, relator de um dos casos afetados, destacou em seu voto vencedor um ponto crucial: quando a instituição financeira firma contrato de alienação fiduciária de imóvel em condomínio, torna-se titular da propriedade resolúvel. Isso a transforma, consequentemente, em condômina. Dessa forma, a instituição credora também possui responsabilidade sobre as despesas condominiais.
O ministro enfatizou que a instituição financeira, como proprietária fiduciária, dispõe de meios para cobrar obrigações condominiais. Ela pode, por exemplo, incluir no contrato cláusulas que previnam a inadimplência. Essas cláusulas podem prever até mesmo a rescisão contratual em caso de não pagamento.
Um ponto crucial do argumento do ministro Raul Araújo foi a questão da justiça distributiva. Segundo ele, a obrigação de arcar com as despesas condominiais é inerente à condição de condômino. Caso essas despesas não sejam quitadas pelo devedor fiduciante nem pelo credor fiduciário, os demais condôminos seriam obrigados a suportar o débito, o que não se mostra justo ou adequado.
Durante o julgamento, o ministro alertou sobre os impactos de eventual isenção do credor fiduciário. Ele pontuou que essa situação poderia estimular a inadimplência de outros devedores fiduciantes. Isso comprometeria diretamente a saúde financeira dos condomínios.
“Estamos estimulando esse tipo de dívida. E isso não faz sentido. Ao firmar o contrato de alienação fiduciária, a instituição financeira se torna titular da propriedade resolúvel do bem e, portanto, condômino naquele condomínio.”
Ademais, ele destacou que os contratos de financiamento imobiliário possuem prazos longos, frequentemente de até 20 anos. Isso torna ainda mais crítica a definição correta sobre a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais:
“Se essas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante, nem pelo credor fiduciário, elas serão suportadas pelos outros condôminos, o que não é lógico, nem justo, nem correto. No mesmo condomínio pode haver vários apartamentos financiados, com devedores fiduciantes igualmente estimulados a não pagar as despesas condominiais. Como esse condomínio vai se manter?”
Os ministros Moura Ribeiro, Isabel Gallotti, Daniela Teixeira e João Otávio de Noronha acompanharam o voto do ministro Raul Araújo, formando a maioria vencedora.
Por outro lado, o ministro Antonio Carlos Ferreira, relator de outro caso afetado, votou pela impenhorabilidade, por débitos condominiais, de unidade alienada fiduciariamente.
Para ele, as obrigações propter rem, que vinculam o bem às despesas condominiais, cedem diante da afetação do imóvel como garantia de dívida, com a transferência da propriedade resolúvel ao credor fiduciário.
O ministro destacou que, na alienação fiduciária, o devedor fiduciante detém apenas um direito expectativo de aquisição da propriedade do bem, condicionado ao adimplemento da obrigação garantida. Caso cumpra os termos contratuais, a propriedade do bem lhe é restituída, sem que o credor fiduciário ou terceiros possam apresentar oposição.
Em seu entendimento, o direito real de aquisição possui valor econômico e credores podem penhorá-lo para quitar obrigações do devedor fiduciante. Contudo, ninguém pode penhorar a propriedade do bem transferida ao credor como garantia para satisfazer débitos condominiais.
Os ministros Marco Buzzi, Nancy Andrighi e Humberto Martins acompanharam essa posição divergente. Porém, ela não prevaleceu na votação final.
A decisão do STJ terá impactos significativos para diversos atores do mercado imobiliário:
As instituições financeiras precisarão revisar suas políticas de concessão de crédito imobiliário e os contratos de alienação fiduciária. É provável que incluam cláusulas mais rigorosas sobre o pagamento de taxas condominiais e mecanismos de monitoramento da adimplência dessas obrigações.
Além disso, as instituições financeiras poderão refletir o risco adicional de responsabilidade pelas dívidas condominiais nas taxas de juros e condições dos financiamentos imobiliários. Análises especializadas apontam essa possibilidade.
Os compradores de imóveis financiados por alienação fiduciária devem ficar atentos ao pagamento das taxas condominiais. O não pagamento poderá levar à penhora do imóvel. Isso pode ocorrer mesmo que estejam em dia com as parcelas do financiamento.
Essa decisão reforça a necessidade de planejamento financeiro adequado, considerando todas as despesas associadas à propriedade imobiliária, incluindo as taxas condominiais.
Para os condomínios, a decisão representa maior segurança jurídica e financeira. Ela amplia as possibilidades de recuperação de créditos condominiais inadimplentes. Isso vale mesmo quando a penhora recai sobre imóvel com alienação fiduciária.
Os síndicos e administradores de condomínio agora têm um instrumento jurídico mais eficaz para garantir a saúde financeira dos condomínios, podendo executar a dívida sobre o próprio imóvel, independentemente da situação do financiamento.
Um aspecto crucial que merece atenção especial é o que acontece com o contrato de alienação fiduciária após a penhora e arrematação do imóvel em leilão judicial por dívida condominial. Essa questão tem implicações significativas para todas as partes envolvidas:
Quando a penhora e a arrematação por dívida condominial recai sobre o imóvel com alienação fiduciária, o arrematante adquire o imóvel livre de ônus, incluindo a alienação fiduciária. Nesse caso, o arrematante torna-se proprietário pleno do imóvel, sem qualquer vínculo com o contrato de financiamento original. Situação diferente do que ocorreria se apenas os direitos do contrato de alienação fiduciária fossem penhorados (nesse caso, o arrematante assumiria a posição do devedor fiduciante).
Isso representa uma vantagem significativa para o arrematante, que não herda a dívida do financiamento imobiliário e adquire o imóvel desembaraçado de gravames.
A situação é bem diferente para o credor fiduciário (geralmente uma instituição financeira), que sofre um impacto considerável:
Essa situação representa, portanto, um risco significativo para as instituições financeiras, que podem ver comprometida a recuperação de seus créditos, especialmente em casos de insolvência do devedor fiduciante.
O devedor fiduciante também enfrenta consequências importantes:
Essa situação evidencia, portanto, a importância de manter em dia não apenas as parcelas do financiamento, mas também as taxas condominiais, para evitar a perda do imóvel e as consequências financeiras adversas.
Essa decisão do STJ tem importantes implicações não apenas no mercado de leilões judiciais, mas também nos leilões extrajudiciais de imóveis. Diferentemente do que se poderia supor inicialmente, quando existe penhora judicial por dívidas condominiais e, simultaneamente, inadimplemento da alienação fiduciária, o banco não fica impedido de realizar o leilão extrajudicial.
Na verdade, o banco, por força da Lei nº 9.514/97, não só pode como deve levar o imóvel a leilão extrajudicial. A existência da penhora não impede o prosseguimento do procedimento extrajudicial, mas cria uma situação em relação à qual o arrematante precisará ficar atento.
Refere-se à possibilidade de ocorrência de leilões paralelos (um judicial pela dívida condominial e outro extrajudicial pela alienação fiduciária). Isso pode gerar situações jurídicas complexas a serem resolvidas posteriormente, podendo-se assemelhar aos casos de leilões judiciais simultâneos, que ocorrem quando um imóvel possui duas ou mais penhoras distintas.
Se, portanto, for participar de um leilão extrajudicial com imóvel nessa situação, cabível analisar o andamento do processo judicial do qual sobreveio a penhora. Imprescindível para evitar arrematar um imóvel que já pode estar indo a leilão judicial por débito condominial.
Ademais, para o investidor interessado em adquirir imóveis nessa situação, torna-se fundamental, primeiro, verificar se o edital lhe atribui a responsabilidade pelo pagamento da dívida condominial. Caso positivo, deverá levantar o montante dessa dívida e incluí-lo na análise de viabilidade financeira. Isso porque, ao arrematar o imóvel, o arrematante deverá quitar esse débito para conseguir cancelar a penhora na matrícula.
Ante esse novo cenário jurídico, as instituições financeiras e outros credores fiduciários podem adotar algumas medidas preventivas para mitigar os riscos associados à responsabilidade por dívidas condominiais:
É importante destacar que, além da decisão já tomada pela 2ª Seção do STJ nos três recursos especiais mencionados, essa questão jurídica também foi afetada como tema de recurso repetitivo. O Tema 1.266, representado pelos Recursos Especiais nº 1.874.133 e nº 1.883.871, trata especificamente da “possibilidade de penhora do imóvel alienado fiduciariamente em decorrência de dívida condominial”.
A afetação de um tema como recurso repetitivo ocorre quando o STJ identifica uma questão jurídica que se repete em múltiplos processos e decide fixar uma tese que servirá como orientação obrigatória para todos os tribunais do país. Esse mecanismo, previsto no Código de Processo Civil, visa garantir segurança jurídica e uniformidade nas decisões judiciais sobre temas recorrentes.
O julgamento definitivo do Tema 1.266 ainda está pendente e, quando ocorrer, terá efeito vinculante, o que significa que todos os tribunais do país deverão seguir o entendimento fixado ao julgar casos semelhantes. Isso trará ainda maior segurança jurídica e previsibilidade para o mercado imobiliário.
Para o julgamento deste tema, o STJ realizou inclusive uma audiência pública em junho de 2024, ouvindo representantes de diversos setores interessados, como instituições financeiras, associações de condomínios e especialistas em direito imobiliário.
Quando o Tema 1.266 for definitivamente julgado, a tese fixada deverá ser aplicada:
Além disso, os processos que estão suspensos aguardando a definição do tema poderão ser retomados e julgados conforme a tese estabelecida.
A decisão do STJ de permitir a penhora de imóveis alienados fiduciariamente para pagamento de dívidas condominiais representa uma mudança significativa no entendimento jurídico sobre a responsabilidade em contratos de alienação fiduciária. Essa mudança traz importantes consequências para instituições financeiras, compradores de imóveis e condomínios.
Para as instituições financeiras, significa um aumento do risco associado aos financiamentos imobiliários com alienação fiduciária, com a possibilidade de perda da garantia real e transformação do crédito em quirografário. Para os compradores, reforça a importância de manter em dia todas as obrigações associadas ao imóvel, incluindo as taxas condominiais. E para os condomínios, representa uma maior segurança jurídica e financeira, ampliando as possibilidades de recuperação de créditos inadimplentes.
É, portanto, fundamental que todos os envolvidos no mercado imobiliário estejam atentos a essa nova realidade e adotem as medidas necessárias para se adaptar a ela, garantindo a segurança jurídica e a saúde financeira de suas operações.
Ademais, é importante acompanhar o julgamento definitivo do Tema 1.266, que consolidará o entendimento sobre essa questão com efeito vinculante para todo o país.
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